# 270



“Dava os retoques finais em mais um desenho do rosto da mãe. Era mais um de muitos. Tinha medo de se esquecer, de um dia acordar e já não se lembrar da forma do nariz, dos lábios, da testa. E por isso tentava conservá-los no papel. E sempre que fechava os olhos e não lhe conseguia reconstruir cada curva do rosto, agarrava num papel e recomeçava o mesmo desenho, repetindo os mesmos traços, numa forma de conservação da memória. Traçava cada linha do rosto com cuidado. Depois, suavemente, fechava os olhos e passava-lhe um dedo para esbater, como que a acariciar cada contorno. A seguir abria os olhos e esbatia melhor. Depois um novo traço, num movimento lento, e uma nova carícia, sempre, até concluir o desenho. E este ritual como que lhe devolvia a mãe, uma mãe de papel e lápis, mas que era a sua.”

Texto: Elsa Margarida Rodrigues
Foto: Sílvia Bernardino

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