# 2832



O senhor das meias!

Num mundo de meias vidas e vidas pela metade, ele era o rei e senhor.
Trabalhava pela metade, não fosse ficar demasiado afadigado para o meio dia em que nada fazia. No ginásio havia regateado embolso e por apenas meio preço fazia metade dos exercícios, uma parte dos quais eram realizados em observação criteriosa das moças inteiras que vestiam pela metade e deambulavam pelo sítio.
Sempre que ia às compras despendia meio tempo a analisar folhetos de promoções e comprava metade do que fazia falta, outra metade do que nunca usaria. Com o vestuário agia da mesma forma, i.e., comprava roupa conformada a gente com metade da sua idade, metade do seu peso, metade de si, numa tentativa de se manter meio do que se sabia.
A vida amorosa era mais um terreno fértil de metades injustificáveis. Tinha meias relações que se baseavam em sentimentos pela metade, noites de prazer acervadas a meio para que a intimidade não se completasse, mulheres de quem nunca saberia o nome inteiro uma vez que menos de metade chegava para que o seu intuito de meia companhia se cumprisse. Ah! E nem na cama largava as meias. Sim, nu integral, mas sempre com as meias presentes.
Algures pelo meio desta vida vivida pela metade, com meias inferências de tudo o que poderia ter sido completo, teve uma meia epifania e resolveu partir para visitar meio mundo. Afinal de que valia estar já a meio da vida, finasse ela quando fosse, se não vivesse pelo menos metade do que havia vivido?
Reza a história que o nosso senhor das meias, a meio do ano seguinte a largar a sua meia vida, se completou ao morrer de amores por inteiro de uma dama que não se contentou nunca com metades de coisa nenhuma. E viveram felizes para sempre, no seu reino de plenitude vivida a meias!

Texto: Clara Ribeiro
Foto: Ana Gilbert

1 comentário:

  1. Um texto de alguém que não vive pela metade, que se entrega de corpo e alma em tudo aquilo que faz... Alguém que não tem meias medidas, nem entra na história do copo meio cheio, ou meio vazio... se metade houver, será metade sorriso, metade alegria, metade energia contagiante e outra metade de contagio de energia... No fundo alguém que é como a dama da história.. nunca se contentou com metades de coisa nenhuma, no seu reino de plenitude!

    ResponderEliminar