[as lágrimas que não chorei]
Desfiz-me em escuridão.
Escorri pela rua na sarjeta.
Fiz-me rio viscoso e espesso.
Não sentia a forma, nem o corpo.
Sabia que escorria, que tinha de escorrer.
E sentia que me feria na pedra fria onde escorria.
Calçada, calcada. Sentia-me rasgada.
Mas água não rasga.
Estava cada vez mais suja. Mais densa. Mais escura.
Não era água. Não.
Mas continuava a escorrer. Rua abaixo. Rua adentro.
Embati e parei. A teus pés.
Senti-lhes o calor no peso que carregam.
Olhaste-me e fugiste.
Não mais escorri.
E então entendi que eu não era água.
Eu, era lágrimas.
Todas as que não chorei.
Todas as que engoli.
Todas as que pintei,
derramei. Em tons negros de solidão.
Texto: Andreia Marques
Foto: David Sineiro
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