# 1566



"Não havia pedaço da velha varanda fora do lugar. O musgo bebia as manhãs. Em frente à grade férrea, a pedra segurava o vento. As portas esverdeavam. Atrás delas, Maria respirava.
Abaixo o degrau rochoso coberto pelo tempo, uma erva daninha tomava posse. Crescia, crescia como se tivesse nascido apenas para isso. Cada dia uma nova folha, um caminho a se abrir no meio da pedreira. Subia pela escada ao encontro de Maria.
Velha, de olhos vivos enxergava pouco. Abria-se para dentro. Só saía de manhã. Gostava de ouvir o sol. O vermelho sangue e o laranja chegavam quietos. Depois descascavam. O amarelo brilhante ofuscava de vez a noite. Mas era ruidoso e Maria voltava para a casa de portas verde oliva.
Por muito tempo, não gostou de pensar em origens. As suas eram as dos outros. Passou a viver ali, quando as crianças dos patrões nasceram. No dia em que fez 15 anos, o pai dos meninos foi embora.
Bordou a toalha de linho, que hoje amarela esquecida, enquanto a patroa tecia outro filho. Era sempre o marco. Delimitava terras alheias.
Talvez, havia amor nisso.
Agora, alguém nascia por ela. Primeiro debaixo da pedra. Respirava forte, a erva daninha. Rachou o topo da escada e pela varanda veio à luz. Crescia para Maria, somente para ela. Cada dia mais perto, a velha a percebeu quando foi ouvir o sol. A erva se aninhou no arco de seu pé. Ao toque da pele calejada, amaciou-se entre os dedos. Subiu as pernas. Tomou as suas cavidades. 
Maria não se movia. Já não era uma. Imaginava-se flor por toda parte. O corpo talhado.
A varanda silvestre mergulhava no último amanhecer. As portas oliva rangiam. A pedra não segurava mais o vento. E a mulher, cega dos dois olhos, nasceu de vez."

Texto: Lorena Kim Richter
Foto: Ana Gilbert

Sem comentários:

Enviar um comentário