# 5102



todos os dias têm poesia
uma linha que seja

quando não a vejo
fecho os olhos
para sentir o vento a dançar


every day has poetry
even one line

when I don't see it
I close my eyes
to feel the wind dancing

Texto | Text: Isabel Pires
Fotografia | Photography: Jelena Stankovic

# 5101



Esta poesia que legas

Como sobreviver a toda a solidão?
Alguém amou o que pressentiu
ou alguém pressentiu o que amou?

Nos seus tentáculos rubros, a derrota
aguenta todo o volátil movimento.

Para que servem estes versos se são
como todos os outros, insondáveis
no corpo solar de um Portugal de mar?

Os dias, em sua ferocidade, iludiram-me;
as noites, em sua violência, acusaram-me.

Esta derrota que distribuis, esta poesia
que legas, sabes, criar a ilusão no mundo
foi profundo e imundo por entre açucenas.


This poetry you bequeath

How to survive all loneliness?
Did someone love what they sensed
or did someone sense what they loved?

In its crimson tentacles, defeat
endures all volatile motion.

What use are these verses if they are
like all others, unfathomable
in the solar body of a Portugal of sea?

The days, in their ferocity, deceived me;
the nights, in their violence, accused me.

This defeat you disseminate, this poetry
you bequeath, you already know, to create an illusion in the world
was profound and filthy among lilies.

Texto | Text: João Rasteiro
Fotografia | Photography: Ana Gilbert

# 5100



Tinha os pés descalços.
Através deles olhava o mundo.
Ter sapatos era uma forma de cegueira.
Da terra dizia ser livro.
Dos pés dizia serem olhos.
Enfiava os pés na terra húmida,
sentia-lhe as virtudes e as palavras.
Continuava o caminho
e contava estórias.

She had bare feet.
Through them she looked at the world.
Having shoes was a form of blindness.
The soil, she said it was a book.
Her feet, she said they were eyes.
She stuck her feet in the damp earth,
felt the virtues and the words.
She continued on her way
and told stories.

Texto | Text: Ana Miguel Socorro
Fotografia | Photography: Maria Jorge Soares

# 5099



Estes são os fluídos com que escrevemos a nossa mitologia íntima.

These are the fluids with which we write our intimate mythology.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: José Manuel

# 5098



Um dia não faz falta quando se mistura com os outros dias.

A day isn't missed when it's mixed in with the other days.

Texto | Text: Ana Miguel Socorro
Fotografia | Photography: Elsa Arrais

# 5097



Frágil. Por favor não abraçar. Risco de colapsar.

Fragile. Please don't hug. Risk of collapsing.

Texto | Text: Márcia Oliveira
Fotografia | Photography: Nuria Mendoza

# 5096



Estar parado também é uma forma de avançar, mas mais lenta.

Standing still is also a way of moving forward, but a slower one.

Texto | Text: Paulo Kellerman
Fotografia | Photography: Panos Chatzistefanou

# 5095



o crescimento dos dias-luz tem algo de promissor
com a claridade a vestir-se de doçura
e a suavidade pendurada ao peito
tal como a magia das tardes arrastadas do verão tardio

the growth of the light days has something promising about it
with clarity dressed in sweetness
and softness hanging from the chest
like the magic of late summer's dragging afternoons

Texto | Text: Isabel Pires
Fotografia | Photography: Vera Fernandes

# 5094



Um beijo pode ser uma semente pousada sobre a língua.

A kiss can be a seed resting on the tongue.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: Elsa Martins

# 5093



De tanto olhar o céu aprenderei a voar?

Can I learn to fly by looking at the sky?

Texto | Text: Catarina Vale
Fotografia | Photography: José Luís Jorge

# 5092



O meu poema é um soutien
Desaperta>{o}<

This poem is a bra
Unhook >{it}<

Texto | Text: Ana Sofia Elias
Fotografia | Photography: Vanda Cristina

# 5091



Mergulhemos juntos neste rio de águas passadas.

Let's dive into this river of past waters together.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: Carla Sofia Sousa

# 5090



Confiança
Podes entrar sem mostrar a pulseira no pulso.

Trust
No need to show the bracelet in your wrist.
You can come in.

Texto | Text: Ana Sofia Elias
Fotografia | Photography: Agnes Burger

# 5089



Sinto que invado as tuas memórias com o meu cheiro.
E gosto.
Sinto o teu toque quando desenhas na tua memória os meus tornozelos.
E gosto.
Sinto um tremor quando descreves minuciosamente o contorno dos meus mamilos.
E gosto.
Quero acabar com as tuas memórias.
Quero fazer nascer as nossas.

I feel like I'm invading your memories with my scent.
And I like it.
I feel your touch when you draw my ankles in your memory.
And I like it.
I feel a tremor when you minutely describe the outline of my nipples.
And I like it.
I want to end your memories.
I want to give birth to ours.

Texto | Text: Renata Barbosa
Fotografia | Photography: Federica (final_girl_7)

# 5088



o amor também se faz de
abrir o coração dos caminhos-rotina
e deitar lá para dentro flores festivas

uma espécie de era uma vez das histórias infantis


love is also about
opening the heart of routine paths
and throwing in festive flowers

a kind of once upon a time from children's stories

Texto | Text: Isabel Pires
Fotografia | Photography: Teresa Marques dos Santos

# 5087



Até amanhã.

Until tomorrow.

Texto | Text: Paulo Kellerman
Fotografia | Photography: Teresa Maria dos Santos

# 5086



Tenho em mim mil medos, proporcionais aos mil desejos que me habitam

I have a thousand fears in me, proportional to the thousand desires that inhabit me

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Anna Monica Rigon

# 5085



Maria dos Anjos

Não me lembro de ti
Nem do teu rosto
Nem da tua voz ou de te ouvir rezar
Não me lembro das tuas mãos no meu cabelo
Nem do teu colo
Nem do som dos teus passos
Nem do teu cheiro
Não me lembro da cor dos teus olhos a olhar para os meus
Cheios de orações e de infinito
Cheios de cansaço
Não me lembro do teu terço pendurado no teu pescoço antes de ser meu
Não me lembro do teu nome nem do meu nome na tua boca
Nem de me chamares
Nem de me abençoares com palavras antigas ditas em latim
Benedicat tibi Dominus
Não me lembro de seres o meu anjo
Nem do arrastar das tuas asas
Nem de me velares o sono e me guardares dentro da tua alma
Sossegada
Não me lembro se fui um poema casto
Inacabado, intraduzível, dissonante
Ditado por Deus em aramaico e que recitaste por acaso na penumbra da tua cela
Como uma profecia que não se cumpriu
Não me lembro de ser contigo o que não nunca cheguei a ser
O que nunca consegui ser
Só me lembro da tua sombra
A caminhar
Do barulho das tuas vestes num corredor imenso a ecoar como um cântico.


Maria dos Anjos

I don't remember you
Or your face
Or your voice or hearing you pray
I don't remember your hands in my hair
Or your lap
Nor the sound of your footsteps
Or the smell of you
I don't remember the color of your eyes looking into mine
Full of prayers and infinity
Full of weariness
I don't remember your rosary hanging around your neck before it was mine
I don't remember your name or my name on your lips
Nor your calling me
Nor blessing me with ancient words spoken in Latin
Benedicat tibi Dominus
I don't remember you being my angel
Nor the flutter of your wings
Or watching over my sleep and keeping me in your soul
Quiet
I don't remember if I was a chaste poem
Unfinished, untranslatable, dissonant
Dictated by God in Aramaic and which you recited by chance in the penumbra of your cell
Like a prophecy that didn't come true
I don't remember being with you what I never got to be
What I never managed to be
I only remember your shadow
Walking
The rustle of your clothes in an immense corridor echoing like a song.

Texto | Text: Ana Paula Jardim
Fotografia | Photography: Ana Gilbert

# 5084



Os amantes abraçam-se, como as raízes se abraçam no escuro.

The lovers embrace each other, like roots in the dark.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: filo_melita_byn

# 5083



Um dia não faz falta quando se mistura com os outros dias.

A day isn't missed when it's mixed in with the other days.

Texto | Text: Ana Miguel Socorro
Fotografia | Photography: Vera Fernandes

# 5082



Mergulhemos juntos neste rio de águas passadas.

Let's dive into this river of past waters together.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: Sonia Simbolo

# 5081



Considera-me uma versão descontinuada da vida. Ainda te queres esgotar em mim?

Consider me a discontinued version of life. Do you still want to exhaust yourself on me?

Texto | Text: Sandra Francisco
Fotografia | Photography: Frankie Boy

# 5080



As palavras também dormem e os silêncios também falam.

Words also sleep and silences also speak.

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Maraia

# 5079



Aprendeu a arte de evaporar lágrimas, porque é mais leve ser nuvem do que mar.

He learned the art of evaporating tears, because it's lighter to be a cloud than a sea.

Texto | Text: Joana M. Lopes
Fotografia | Photography: Linus Wincenth

# 5078



Não tenho pressa, mas também não tenho tempo.

I'm not in a hurry, but I don't have time either.

Texto | Text: Maria João Faísca
Fotografia | Photography: Ana Martins

# 5077



À nossa procura, percorremos labirintos.

In search of ourselves, we walked through labyrinths.

Texto | Text: Viviane Lucas
Fotografia | Photography: José Luís Jorge

# 5076



Quando for grande quero escrever, até que a caneta rebente e a tinta me suje as mãos e, com as mãos pintadas, faça arte sobre os erros.

When I grow up I want to write until the pen bursts and the ink gets on my hands and, with painted hands, I make art out of mistakes.

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Jelena Stankovic

# 5075



Que venhas, então, em urgência, pois o tempo pesa em mim.

May you come urgently, then, because time is weighing on me.

Texto | Text: Sofia Melo Esteves
Fotografia | Photography: Mariana Costa

# 5074



Malha singapura
Ser leiloada para ti durante horas
até o corpo me parar em corrente de malha singapura.
Uma oligarquia virginal mas nada débil.

Singapore chain
To be auctioned for you for hours
until the body collapses in singapore-chain bonds.
An oligarchy: virginal yet not weak.

Texto | Text: Ana Sofia Elias
Fotografia | Photography: Anna Papachristou

# 5073



Por hoje, chega de prosa. Se me quiseres, transforma-te em poesia.

That's enough prose for today. If you want me, turn yourself into poetry.

Texto | Text: Sandra Francisco
Fotografia | Photography: Sílvia Bernardino

# 5072



Deus construiu o mundo com banalidades. Delas, fez-se o extraordinário.

God built the world with banalities. From them, the extraordinary was made.

Texto | Text: Ana Miguel Socorro
Fotografia | Photography: A. M. Catarino 

# 5071



Assassinato piedoso

Música como pisa-papéis
Esmaga e ordena a rotina.


Merciful murder

Music as paperweight
Crushes and clears up routine.

Texto | Text: Ana Sofia Elias
Fotografia Photography: Vanda Cristina

# 5070



Tenho corações nas pontas dos dedos. Todos eles batem: por mais de mim.

I have hearts on my fingertips. They all beat: for more of me.

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Anne-Laure Guéret

# 5069



Eu não quero ser uma sardinha numa lata. Quero ser um peixe com asas e, se possível, mágicas.

I don't want to be a sardine in a can. I want to be a fish with wings, magical ones if possible.

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Pedro Martins

# 5068



A pele nunca adormece.

The skin never sleeps.

Texto | Text: Ana GIlbert
Fotografia | Photography: Panos Chatzistefanou

# 5067



Às vezes é preciso usar a distância: em passos ou silêncios.

Sometimes you have to use distance: in steps or silences.

Texto | Text: Viviane Lucas
Fotografia | Photography: Rui Santos

# 5066



Quando a boca não fala, o espírito traz ao corpo o que está calado.

When the mouth does not speak, the spirit brings to the body what is silent.

Texto | Text: Ana Miguel Socorro
Fotografia | Photography: Ana Margarida Lopes

# 5065



Brasileira

Comes uma nata na esplanada da Brasileira
Como quem desvenda um enigma metafísico
Que te ficou colado nos dentes
Olhas o Pessoa de perna cruzada
Fundido em bronze
Inerte
E muita gente que lhe tira retratos
E se senta na mesa ao lado
Sem ser convidado
Atrás, na soleira de um banco
Está deitado um sem abrigo
Jovem
Fuma um cigarro ontológico
É um nada que se estende
Sem casa nem morada
Não há epistemologia que o salve
Só um poeta morto
Inútil
De costas voltadas
Tão estrangeiro como ele.


Brasileira

You eat a custard tart on the terrace of the Brasileira
Like someone unraveling a metaphysical riddle
That's stuck in your teeth
You look at Pessoa cross-legged
Cast in bronze
Inert
And lots of people taking portraits of him
And sit at the next table
Uninvited
Behind, on the threshold of a bench
A homeless man lies
A young man
Smoking an ontological cigarette
He's a nothing that stretches out
With no home or dwelling
No epistemology can save him
Just a dead poet
Useless
With his back turned
As foreign as he is.

Texto | Text: Ana Paula Jardim
Fotografia | Photography: António Carreira

# 5064



Por quanto tempo consigo suspender os meus sonhos?

For how long can I bear to suspend my dreams?

Texto | Text: Ana Gilbert
Fotografia | Photography: Linus Wincenth

# 5063



As memórias são apenas uma outra forma de pensamento.

Memories are just another form of thought.

Texto | Text: Paulo Kellerman
Fotografia | Photography: Sonia Simbolo

# 5062



Viver
verbo
imprevisível

ser
estar
permanecer

sou verbo
(in)flexível


Living
verb
unpredictable

be
stay
remain

I am a verb
(in)flexible

Texto | Text: Cris Ferreira
Fotografia | Photography: Mia Depaola

# 5061



Cóccix

Atraída* pelos* odorantes*
da* tua* mão* no* meu* cóccix*
viro* o* pescoço* para* ver*
a* curva* lombar* rematada* pelos* teus* asteriscos*
em* arrepio* quente*


Coccyx

Drawn* by* the* smell*
Of* your* hand* in* my* coccyx*
I* tilt* my* neck* to* see*
the* lumbar* curve* locked* by* your* asterisks*
in* a* hot* frisson*

Texto | Text: Ana Sofia Elias
Fotografia | Photography: Carolina Geiger

# 5060



A cada instante, a eternidade...

At every moment, eternity...

Texto | Text: Catarina Vale
Fotografia | Photography: Panos Chatzistefanou

# 5059



Tenho corações nas pontas dos dedos. Todos eles batem: por mais de mim.

I have hearts on my fingertips. They all beat: for more of me.

Texto | Text: Cristiana Ribeiro
Fotografia | Photography: Ana França

# 5058



Viver
verbo
imprevisível

ser
estar
permanecer

sou verbo
(in)flexível


Living
verb
unpredictable

be
stay
remain

I am a verb
(in)flexible

Texto | Text: Cris Ferreira
Fotografia | Photography: Silke Schönborn

# 5057



Tão longe do adeus e tão perto do nada.

So far from goodbye and so close to nothing.

Texto | Text: Márcia Oliveira
Fotografia | Photography: Clément Thuault

# 5056



De sombras e sóis são feitos os dias. E nós.

From shadows and suns, days are made. And we.

Texto | Text: Viviane Lucas
Fotografia | Photography: Laetitia Graber

# 5055



E por vezes
No espaço circunscrito do meu jardim
Olho para o céu
E finjo ouvir o mar
Para ser mais suportável o dia

And sometimes
In the confined space of my garden
I look at the sky
And pretend to hear the sea
To make the day more bearable

Texto | Text: Cátia Ribeiro
Fotografia | Photography: Kate Hrynko

# 5054



Caem as cortinas. Caem as máscaras. Caem as folhas. As estações passam, a vida prossegue. Ciclicamente... Renovamo-nos na esperança da permanência.
Mas nada é nosso... nem a vida.

The curtains fall. The masks fall. The leaves fall. The seasons pass, life goes on. Cyclically... We renew ourselves in the hope of permanence.
But nothing is ours... not even life.

Texto | Text: CristinaVicente
Fotografia | Photography: Maraia

# 5053



À nossa procura, percorremos labirintos.

In search of ourselves, we walked through labyrinths.

Texto | Text: Viviane Lucas
Fotografia | Photography: Anne-Laure Guéret