# 4274



Mataste um gato, disseram-me quando o bolo alimentar do meio dia cumpria a gravidade do seu trajeto. Perdi a sombra e os músculos contrairam numa espécie de orgasmo de horror.
Mataste um gato, repetiram e acrescentaram pontas soltas: pormenores. As pernas desenharam na mente o plano de fuga, mas permaneceram estoicamente durante toda a sentença.
Mataste um gato, reforçaram, como se a primeira e a segunda vez não tivessem sido suficientes para fazer o corpo acreditar. O corpo, esse, sucumbiu à verdade. Derreteu pequenas células e encolheu.
Mataste um gato e ainda por cima era preto - acrescentaram a última gota num copo já sem fundo, onde a água já transbordava em forma de tsunami; e fugi.
Mataste um gato, recordei enquanto deambulava pelos corredores do Aldi. Lá, comprei ração para cães e um tapete de cozinha. Das duas cores possíveis, escolhi o preto.
Mataste um gato: um cruel desígnio da memória do qual jamais serei curada.

You killed a cat, I was told as the half-day food bolus met the gravity of its path. I lost my shadow and my muscles contracted in a kind of orgasm of horror.
You killed a cat, they repeated and added loose ends: details. The legs drew in the mind the escape plan, but remained stoic throughout the sentence.
You killed a cat, they reinforced, as if the first and second times had not been enough to make the body believe. The body, that one and only, succumbed to the truth. It melted little cells and shrank.
You killed a cat and it was black - they added the last drop in a glass already bottomless, where the water was already overflowing like a tsunami; and I ran away.
You killed a cat, I recalled as I wandered the aisles of Aldi. There, I bought dog food and a kitchen rug. Of the two possible colors, I chose black.
You killed a cat: a cruel design of memory from which I will never be cured.

Texto | Text: Rita Rosa
Fotografia | Photography: Cristina Vicente

Sem comentários:

Enviar um comentário